[Resenha]: "Carlabê"
Sobre o desaparecimento dela, mas acho que é mais sobre a amizade entre duas mulheres.
Por Gabriela Ferigato
[áudio 1]
O livro se chama “Carlabê”, da jornalista Isabela Noronha (@imnoronha ). [***] Sobre o que? Então, é difícil resumir. Sobre o desaparecimento dela, de Carlabê [som de páginas de livro virando], mas acho que é mais sobre a amizade entre duas mulheres e como elas sobrevivem numa cidade sufocante como São Paulo. [***] Sim, gostei muito e ele segue uma proposta diferente [som de teclas do computador].
É assim que nos deparamos com a primeira página do livro “Carlabê”. Uma transcrição de entrevista em áudio. Não me considero a leitora mais assídua do mundo, mas, dos meus anos como leitora, foi a primeira vez que me deparei com esse formato. Formato, esse, que segue até o final, alternando com os escritos da personagem que dá nome ao livro.
Voltando à pergunta do meu áudio fictício, do que fala “Carlabê”? Sobre o seu sumiço. E, para desvendá-lo, acompanhamos a longa entrevista de Saramara, sua amiga, a um suposto e misterioso repórter, esse que nunca “ouvimos” a voz. A principal pista é um caderno de cartas deixado por ela com fragmentos do seu dia e seus devaneios.
A verborrágica e espontânea Saramara refaz os passos, literalmente, da amiga, conta detalhes sobre a amizade e deixa bem claro suas suspeitas. Como pano de fundo de tudo isso, há um corpo (de quem?) estirado na calçada de uma cidade extremamente barulhenta. [britadeira, bate estacas, martelete, serra policorte, veículos]. Nada de muito diferente do que nós, moradores dessa metrópole, ouvimos durante o dia.
É curioso ver a presença do jornalismo em um livro escrito por uma jornalista (e lido por outra). Talvez seja natural escrever sobre o que vivemos/conhecemos. Afinal, Saramara é uma jornalista que deixou sua cidade natal no interior de Minas Gerais para tentar a vida na capital, mais especificamente no bairro de Santa Cecília (a foto do bairro Ipiranga nesta resenha é meramente ilustrativa). “A vida na maior cidade só é possível em partes. Este bairro me mastigou, me engoliu, me cuspiu outra” (p. 45).
Ela faz questão de mostrar ao jovem repórter que conhece sobre esse universo, e não mede críticas: “Como o nosso jornalismo se degradou” (p. 10) e nem poupa orientações: “Não tenha medo das pautas, criança. Essa é a lição número um.” (p. 27). Há outras lições.
Por mais que Saramara fale (e ela fala), sabemos apenas fragmentos da vida da personagem – como seu envolvimento com um colega do açougue onde trabalhava e da relação com o irmão Abelardo –, mas Carlabê segue como o grande mistério da obra (muito mais do que o corpo na calçada: de quem?). Mais do que “Onde está Carlabê?”, a pergunta que fica é: “Quem é Carlabê?”. Voltando mais uma vez à pergunta no meu áudio fictício do começo, conseguimos responder que é um livro sobre amizade, afeto e conexão.
📖 “Carlabê”, editora Companhia das Letras, 200 páginas.